quarta-feira, maio 06, 2009

Histórias aos quadradinhos vs. banda desenhada: uma opinião

Uma das polémicas em Portugal que data de há alguns anos está relacionada com as expressões histórias aos quadradinhos (HQ) e banda desenhada. Pessoalmente, prefiro a primeira, que tenho vindo a utilizar aqui por diversas vezes, em detrimento do galicismo, a meu ver desnecessário, que mais não é do que uma tradução para a língua francesa do conceito e da expressão anglo-saxónica comic strip.

Muitos discordarão certamente desta tese, e alegarão que a expressão afrancesada já se tornou corrente na língua portuguesa, mas não vejo, nem nunca entendi necessário, a utilidade de alterar uma expressão que era característica no nosso país, possuindo já alguma tradição, face a uma importação que mais não faz do que apoucar a nossa língua e a nossa cultura, não constituindo qualquer espécie de enriquecimento lexical nem sequer cultural.

Alegar-se-á que histórias aos quadradinhos estava demasiado conotada com um tipo de literatura com destinatários bem definidos, as crianças e jovens, que a designação quadradinhos não se adequa bem aos novos estilos, às novas experiências que esta forma de expressão veio a alcançar nas últimas décadas, mas então poder-se-á dizer o mesmo acerca de comics, ou comic art, que remete para as origens humorísticas das primeiras tiras diárias e páginas dominicais norte-americanas, sendo uma designação ainda mais redutora, já que encerra em si mesmo, a nível semântico, um limite que o próprio termo parece impor. Isto não impediu, contudo, que nos países anglo-saxónicos (e não só) o termo tenha vingado e se tenha imposto pela força da sua expressão e pela dimensão que alcançou.

Se, em Espanha, esta forma de expressão artística e as publicações que a divulgam passaram a tebeos, devido a uma revista que, pela sua popularidade, ganhou enorme expressão, e em Itália foram os balões que originaram fumetto, um diminutivo que neste país não é considerado pejorativo, já na América Latina foi historietas o termo que passou a designar esta expressão artística, já bande dessinée acabou por vingar apenas em França, nos países francófonos e… em Portugal. O Brasil, que connosco partilha a língua e uma boa parte da cultura, encontrou igualmente na sua tradição editorial um termo, gibi, que passou a generalizar-se para grande parte das revistas e publicações de quadradinhos, que neste país são também conhecidas como quadrinhos, ou pura e simplesmente como comics, anglicismo que é aliás frequentemente utilizado nos países que têm como língua oficial o castelhano, tendo até dado origem a que alguns portugueses, emigrados nos Estados Unidos, se referissem a estas publicações como cómicos, num aportuguesamento algo forçado mas perfeitamente compreensível. Já no Japão o termo que se refere a esta mesma realidade é mangá, muito embora durante algum tempo fosse conhecidas por Ponchi-e, termo que radicava na revista britânica Punch, e só muito recentemente a sua divulgação chegou a popularizar-se nos países ocidentais, fazendo até escola na forma de desenhar e na concepção dos argumentos.

Apesar de entre nós estar bastante difundida a expressão banda desenhada, continuo a defender a tradição portuguesa das histórias aos quadradinhos, que estabelecem, quanto a mim, uma marca cultural distinta, em detrimento da cópia do francês, perfeitamente desnecessária, que não chega sequer para prestigiar o acto criativo de todos quantos utilizam esta forma artística, nem muito menos para transmitir a esta arte um ar mais adulto, mais respeitável, menos conotado com a literatura infantil ou juvenil, e muito menos permite sair do enquadramento da vinheta, por muito que se ache que os quadradinhos são mais limitados neste aspecto, face à criatividade actual dos trabalhos.

Há uns anos atrás tentou-se encontrar uma nova expressão que substituísse, mais a contento de alguns, quer as histórias aos quadradinhos, quer a banda desenhada. Experimentou-se a figuração narrativa, chegando a surgir alguma polémica acerca da ordem dos termos: figuração narrativa ou narração figurativa. Os anglo-saxónicos, sobretudo desde que Will Eisner lançou A Contract with God, fizeram surgir graphic novel, que em português poderia ser traduzido como romance gráfico, não deixando contudo de a definir como a type of comic book, nunca abandonando o tradicionalismo do termo; no entanto, figuração narrativa poder-se-ia aplicar a outras formas de expressão bem distintas das HQ, desde a fotonovela à infografia jornalística, qualquer delas uma forma de expressão bem mais recente do que as histórias aos quadradinhos. O termo deu aliás origem a verbos como quadrinização, pese embora a sua utilização mais frequente no Brasil do que em Portugal, tal como quadrinista, e nestas coisas de linguagem os brasileiros são bem mais inventivos do que os portugueses, e o português do Brasil bem mais dinâmico do que o da velha metrópole, enquanto banda desenhador não faz qualquer sentido e apenas desenhador é um termo demasiado genérico para ser unicamente aplicado à 9ª arte.

Polémicas à parte, fico-me pelas histórias aos quadradinhos. Daí o nome deste blogue.


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